Rap-rock: um palavrão que não se aplica mais

Confira a tradução da entrevista de Mike e Chester para o The Australian.

Rap-rock: um palavrão que não se aplica mais

A banda californiana Linkin Park tem, com o passar dos anos, adquirido uma reputação tão assustadora que os autores trocam histórias de terror sobre entrevistas com o grupo.

Diversas lendas sobre administração de mão pesada, seguranças carrancudos, celulares confiscados, respostas de uma só palavra e acordos de confidencialidade que param pouco antes pedir sua própria vida como garantia.

Isso não ajuda nenhuma banda. Para uma banda próxima, ainda que seja questionável, do rap-rock, um gênero ultrajante para muito críticos, é quase negligência. As expectativas, por isso, são muito baixas: 30 minutos, se tiver sorte, sendo encarado friamente nessa pequena fortaleza de um complexo de gravação em Los Angeles, e aí eu saio.

Esse script pode ser jogado fora. Pra começar, Mike Shinoda e Chester Bennington, um terço de uma banda cuja estreia de 2000, Hybrid Theory, vendeu mais de 20 milhões de cópias, sorriem apresentando a música de abertura do seu novo disco, A Thousand Suns. E a realização que este álbum é, sonoramente, um dos mais ambiciosos e assustadores do ano é, bem, estonteante.

Se fosse do Muse, seria elevada aos céus. Há momentos em que o detalhamento e a excentricidade dos sons fazem lembrar o Quadrophenia do The Who. É seguro apostar que nenhuma dessas observações será norma.

“Quando eu comecei a ler resenhas no início,” diz Bennington, vocalista da banda, “um cara de Seattle basicamente disse que eu era o anticristo, que nós éramos o motivo pelo qual o mundo não presta, e eu pensei, ‘Uau, devemos ter feito algo muito bom se esse cara pensa assim.’ Naquele momento eu decidi, ‘Eu realmente não me importo.’” Shinoda, rapper da banda e arquiteto-chefe do som, diz: “Estamos acostumados a apanhar da imprensa, e a nos sentir pouco a vontade quando vamos dar uma entrevista. Mantemos a música tão próxima, ela é tão querida por nós, que quando alguém a ataca, sentimos que nós mesmos estamos sendo atacados.”

Shinoda é incrivelmente sincero sobre os conflitos que acompanham o imenso sucesso. Hybrid Theory sumiu das prateleiras, mas também criou uma base de percepções sobre a banda que, ele diz, os atrapalhou mais do que ajudou. Antes de fazer o novo álbum, o sexteto se reuniu para discutir suas ambições com ele.

“Eu me lembro de ficar muito fervoroso, e de dizer coisas como, ‘Não me importo se ninguém comprar o disco, não me importo se não tivermos uma música sequer que possa ser tocada no rádio, estou disposto a ir totalmente para a outra direção.’”

Mas a vida como artista de grande selo raramente é assim tão simples, ele acrescente secamente. “Fui para casa depois e disse a mim mesmo, ‘Se isso for realmente verdade, e olharmos para esse disco daqui a dois anos e ele tiver vendido 50 mil cópias, tanto faz se estamos ou não confortáveis com isso, as pessoas em geral o verão como um fracasso.’ Porque é assim que funciona. Quero dizer, a gravadora vai nos olhar e dizer, ‘Vocês estão loucos.’ Claramente, se apenas 50 mil o comprarem, em vez de 5 milhões, então há muitas pessoas por aí dizendo, ‘Não gostamos, vocês poderiam, por favor, fazer outra coisa?’ Então eu meio que tive que me acostumar com isso.”

Eles foram apoiados na sua tentativa de mudar esse sistema comercial criativo pelo super produtor Rick Rubin, um homem que claramente não mudou suas prescrições. Uma versão inicial da nova música Blackout provocou uma reação que teria desanimado muitas bandas. “Rick veio e disse, ‘Essa música era ótima quando estava naquele disco excelente que saiu 10 anos atrás.’” Bennington disse.

Ele estava certo?

“Era uma música com um som legal, mas a sensação é que já tinha sido feita antes, e bem feita por outra pessoa. E pensamos, ‘Talvez haja uma boa lição que aprendemos aqui.’ Começamos a pensar, ‘Podemos só tocar piano, podemos tocar com uma orquestra se quisermos, podemos tocar banjo e slide guitar, realmente não importa.’” Deve importar, porém, para os fãs: algo do qual os dois estão bem cientes. A descrição que Shinoda faz de uma entrevista recente para um autor de uma revista de metal é instrutiva. “Ele entrou, usando um coturno e jeans pretos, cabelo comprido, piercings nas duas orelhas, tatuagens. Sem me dizerem de onde o cara era, eu dei uma olhada e soube. E prosseguimos para uma das entrevistas mais desconfortáveis de, bem, desde que eu me lembro. Foi como ir a um encontro às escuras ruim.”

O escritor admitiu que seu álbum favorito do Linkin Park ainda era Hybrid Theory, e que o novo o deixou “confuso”. Shinoda acrescenta: “A conversa meio que acabou quando eu disse pra ele, ‘Dez anos atrás, quando fizemos Hybrid Theory, estávamos procurando um novo som, estávamos tentando fazer algo que fosse diferente, que nos representasse e fosse único, e novo.’ Mas quando o tempo passou, deixou de ser novo, outras bandas o ouviram e pensaram ‘Gostamos disso também’, e fizeram suas próprias versões. E, para ser franco, se outras bandas podem ouvir e fazer também, você não acha que seria muito fácil pra mim voltar e tentar repetir? Seria um álbum preguiçoso.”

“Há uma rima no novo disco,” diz Bennington, “em que Mike diz, ‘Projetar é um dom e uma maldição / Quando se tem a teoria de como a coisa funciona / Todos querem que a próxima seja igual à primeira.’ É muito fácil, quando se descobre como algo funciona, voltar a isso.

“É disso que as pessoas gostam, é com isso que elas estão familiarizadas. Mas o verdadeiro desafio é… como você vai criar uma nova arquitetura?”

Em A Thousand Suns, o Linkin Park se abriu. Agora é com os fãs. E, é claro, os críticos. Eu acho que é um álbum lindo, me levando para um ou outro caminho, quase além de gêneros, experimental, ocasionalmente impactante, invariavelmente intrigante. Linkin Park, uma banda corporativa de rap-rock mal humorada, monossilábica, obcecada por controle? Você pode ter uma surpresa.